Com um pouco de preguiça, consegui disponibilizar a última parte do texto de Canotilho. Aqui, neste terceiro capítulo, Canotilho analisará o Estado Constitucional. Infelizmente, não deu tempo de analisarmos esse último capítulo no grupo de estudos, no entanto, dos três, foi o que eu achei mais tranquilo o entendimento. Boa leitura! =)
Livro "Direito Constitucional e Teoria da Constituição", de Canotilho, de 1998. |
No terceiro (e último) capítulo, Canotilho aborda a temática do Estado Constitucional. Na minha opinião, esse capítulo é o mais tranquilo em termos de compreensão dos três e muito fácil de discutirmos também.
Por mais que a relação entre a constituição e o Estado não sejam, ainda hoje, claras, o autor apresenta a constituição como "uma estrutura política conformadora do Estado" (p. 87), ou seja, a constituição dá a forma do estado. No período oitocentista, podia-se dizer que o referente da constituição era a sociedade ("A sociedade 'tem' uma constituição; a constituição é a constituição da sociedade" p. 88), no entanto, a partir do século XIX, o referente da constituição passou a ser o Estado e isso por diversas razões: 1) devido à influência do constitucionalismo americano e francês, a constituição passou a "constituir" os "Estados Unidos" dos americanos ou o "Estado-Nação" dos franceses; 2) a progressiva estruturação do Estado Liberal, que se baseava na separação Estado-Sociedade; e 3) a influência da filosofia hegeliana e da juspublicística germânica, para o qual a constituição passou a designar a "ordem do Estado".
Canotilho aponta algumas qualidades do Estado que o diferenciam de outras organizações de poder. Para começo de conversa, o estado possui soberania, que no plano interno se traduz como um poder supremo e no plano internacional, como um poder independente. Tudo isso significa que o estado possui poder político de comando, cujos destinatários são os cidadãos nacionais reunidos num determinado território (poder + povo + território = unidade política soberana do Estado).
Ainda sim, o autor tece alguns comentários sobre o Estado de Polícia (ou Iluminista, como muitos de nós conhecemos), que foi o modelo de estado do século XVIII, afirmando que suas principais características foram: 1) a ideia de soberania concentrada na figura de um monarca; 2) extensão do poder soberano ao âmbito religioso; 3) adoção de políticas econômicas mercantilistas (dirigismo econômico); e 4) promoção do "bem estar" e da "felicidade dos súditos" como uma das missões fundamentais da soberania. Tal estado acabou por restringir os direitos adquiridos dos particulares, bem como restringindo os bens dos súditos. Nesse contexto, ganhou importância a "teoria do fisco", pois os súditos "passaram a gozar do direito de obter o pagamento de uma indenização a cargo do 'fisco' ou 'domínio' concebido doravante como uma pessoa jurídica autônoma de direito privado" (p. 92). Essa teoria deu origem ao que conhecemos hoje como "responsabilidade do Estado por danos causados aos particulares".
Ao chegar no principal ponto deste capítulo, Canotilho afirma que o Estado atualmente só pode ser concebido como Estado Constitucional. E o Estado Constitucional, para ser um estado identificado com as qualidades do constitucionalismo moderno (lembra-se? 1º Capítulo), deve ser um estado de direito democrático. No entanto, nem sempre essas duas qualidades do estado (estado de direito e estado democrático) estiveram juntas.
Sobre o Estado de direito, o constitucionalista português apresenta quatro "conceitos" (onde, no meu entender, são modelos) que possuem em comum a juridicidade estatal, quais sejam: The Rule of Law, État Légal, Rechtsstaat e Always Under Law. Falaremos brevemente sobre cada um desses modelos.
O "The Rule of Law" é o sistema britânico que significa: a obrigatoriedade de um processo justo legalmente regulado; a proeminência das leis e costumes perante a discricionariedade do poder real; a sujeição de todos os atos do executivo à soberania do parlamento; e igualdade de acesso dos cidadãos aos tribunais.
"Always under law" representa o estado constitucional americano e apresenta o direito dos cidadãos (povo) de fazerem uma lei superior, onde se estabeleçam os esquemas essenciais de governos e os respectivos limites. Ainda sim, as razões do governo devem ser razões públicas, que tornem patente o consentimento do povo em ser governo em determinadas condições, bem como, o fato dos tribunais exercerem a justiça em nome do povo.
O estado de direito francês (L'État Légal) concebe-se numa ordem jurídica hierárquica (Declaração - constituição - lei). Não obstante, Canotilho afirma que a supremacia da constituição foi neutralizada pela supremacia da lei, tendo alguns já dito que fala-se do constitucionalismo francês como um constitucionalismo sem constituição.
Por outra via, o "Rechtsstaat", que representa o constitucionalismo alemão do início do século XIX que se revestia como um estado liberal. "Limita-se à defesa da ordem e segurança públicas, remetendo-se os domínios econômicos e sociais para os mecanismos da liberdade individual e da liberdade de concorrência. Neste contexto, os direitos fundamentais liberais decorriam não tanto de uma declaração revolucionária de direitos, mas do respeito de uma esfera de liberdade individual" (p. 97). Ainda sim, o poder judiciário passou a fazer um maior controle da atividade administrativa.
Por fim, Canotilho ressalta mais uma vez que o estado constitucional deve estruturar-se como um estado democrático de direito, isto é, como uma ordem de domínio legitimada pelo poder. E o princípio da soberania popular é um dos pilares principais desse estado (legitimação democrática de poder).
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