Editora Companhia das Letras Páginas: 336 |
1. "Gabriela, Cravo e Canela", publicado em 1958, é o primeiro romance escrito por Jorge Amado após este deixar o partido comunista brasileiro e se isolar politicamente pela esquerda e o primeiro onde ele atenua o conteúdo político, muito presente em seus romances anteriores, talvez devido a essa ruptura política.
2. Jorge Amado nasceu em Itabuna (Bahia), em 1912, no entanto, logo cedo foi para Ilhéus (Bahia), cidade onde passou a infância e aprendeu as primeiras letras. Estudou o secundário em Salvador (Bahia) - cidade que ele chamava de Bahia -, e após, estudou na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Foi o quinto ocupante da Cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras (ABL), na sucessão de Otávio Mangabeira, eleito em 1961. Dizem as boas e más línguas que "Gabriela, Cravo e Canela" contribuiu imensamente para que o mesmo fosse eleito para a ABL. De todo modo, o conjunto de sua obra literária nos demonstra o motivo de tal confiança dos acadêmicos.
3. "Gabriela, Cravo e Canela" faz parte da segunda fase do modernismo brasileiro, conhecida também como "Prosa dos 30". Nessa fase, o romance acaba servindo como denúncia para os problemas sociais e políticos nos quais o Brasil enfrentava nas décadas de 1930 e 1940. Os novos realistas ou regionalistas focavam principalmente no povo nordestino, seus problemas com a seca, a migração, a miséria e a baixa (ou melhor, nenhuma) escolaridade. Jorge Amado, assim com Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, Rachel de Queiros, entre outros enriqueceram essa época com seus romances em prosa.
4. Com esse livro, Jorge Amado inaugura uma nova fase que aborda também as mulheres como centro da narrativa, como mito sexual e como agentes do próprio desejo. Além de "Gabriela, Cravo e Canela", encontramos tal característica em "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (1966), "Teresa Batista cansada de guerra" (1972) e "Tieta do Agreste" (1977).
5. A narrativa ocorre em terceira pessoa (narrador onisciente, que tudo sabe e que tudo vê) e se passa em Ilhéus, entre 1925-1926, época dos coronéis e também da riqueza do cacau. O livro se divide em suas partes e, em cada parte, se subdivide em dois capítulos. Podemos perceber que cada capítulo é intitulado com o nome de uma mulher (Ofenísia, Glória, Malvina e Gabriela), mulheres essas malvistas pela sociedade hipócrita ilheense, mas que emanam um poder feminino capaz de enfrentar qualquer um. O que significa que Jorge Amado quis dar destaque à sensualidade dessas mulheres, às suas histórias e ao seu próprio desejo.
6. Ilhéus vive em plena transformação. E acompanhamos o início dessa transformação e o choque entre os antigos e velhos costumes nesse livro. Há quem diga que Jorge Amado exagerou um pouco, no entanto, exagerando ou não, percebemos que sua intenção maior era mostrar o choque da sociedade e sua hipocrisia diante dessas grandes transformações. Um dos principais personagens do enredo, Mundinho Falcão, desembarca em Ilhéus, oriundo do Rio de Janeiro, fugindo de seu grande amor, e junto com ele traz a modernidade e a prosperidade para a cidade. Um de seus principais feitos é a dragagem do antigo porto de Ilhéus, que realmente ocorreu, no entanto, no ano de 1924. Tal obra será o pano de fundo de toda a história e um dos principais motivos de disputa política entre o próprio Mundinho Falcão e o coronel Ramiro Bastos, até então a única personalidade política na cidade.
7. Acompanhamos na narrativa toda a preparação da disputa política que ocorreria em 1926, o voto de cabresto, a violência utilizada, o orgulho dos coronéis, o abuso de poder. No entanto, ao mesmo tempo que vemos essas práticas, percebemos que o progresso na cidade também traz mudanças de concepções políticas. Essa contradição, esse antagonismo, no qual a cidade é espectadora e ao mesmo tempo parte, é muito interessante.
8. Não obstante, "Gabriela, Cravo e Canela" é também - e, principalmente - , uma história de amor. Amor entre o sírio Nacib e a formosa Gabriela. Gabriela, que acaba trabalhando na casa do seu Nacib, se mostra não apenas uma excelente cozinheira de comida nordestina e apimentada, mas também sedutora e inocente. De espírito livre e rústico, Gabriela encanta todos os homens da cidade e desperta o ciúme de seu Nacib. Este se decide casar com Gabriela, no entanto, vemos que nem todas as flores foram feitas para viverem nos vasos, como o próprio amigo de seu Nacib, João Fulgêncio, aconselhou ao amigo. O casamento acaba, mas o amor e desejo entre os dois, não. Gabriela está alheia a todas as convenções sociais, sendo apenas uma cozinheira, não se interessando pelas formalidades sociais e nem pelos sapatos apertados que é obrigada a usar. Uma curiosidade interessante: Gabriela foi inspirada numa pessoa, a cozinheira Maria de Lourdes do Carmo, esposa do libanês Emilio Maron, que também tinha um "Bar Vesúvio". Mas o próprio libanês chegou a declarar que sua mulher foi vítima de uma injustiça, pois ela não poderia ter sido modelo para a mulata, pois "Maria de Lourdes tinha um comportamento honrado, enquanto Gabriela...".
"Quando ela ri, seu Tonico, até tonteia a gente" (Chico Moleza) |
9. Ao mesmo tempo, e apesar do livro apresentar essas duas vertentes (progresso de Ilhéus e amor entre Nacib e Gabriela), acompanhamos histórias paralelas que, direta e indiretamente, são fruto direto do choque entre o passado e o novo. Vemos Sinhazinha e Dr. Osmundo serem mortos pelo coronel Jesuíno Mendonça, que os flagrou no ato da traição. Toda a sociedade o apoiando, pois "mulher que traí merece morrer", mas pelas costas, sentindo pena do destino da coitada da Sinhazinha, que sofria nas mãos do marido. Reflexo do machismo da sociedade e da própria hipocrisia decorrente desse machismo. O final do livro é espetacular, pois mostra a transformação da sociedade e como esses preconceitos vão sendo deixados de lado pela modernidade.
10. "Gabriela, Cravo e Canela" é o livro de Jorge Amado com maior número de traduções, fazendo dele o escritor brasileiro mais conhecido no mundo, depois de Paulo Coelho. Aliás, com esse livro, o escritor no Brasil recebeu o prêmio Machado de Assis e Jabuti, além de ter sido adaptado para o cinema e televisão inúmeras vezes, passando por vários países.
11. Para quem é fã da produção nacional, esse livro é obra obrigatória. A leitura é fácil e apesar de algumas palavras fugirem do nosso cotidiano, foi fácil entender o contexto Não é à toa que está na lista dos "100 Livros Essenciais da Literatura Brasileira", da Revista Bravo. Sinceramente, nunca tinha lido nenhuma obra dele. Por preconceito e por falta de oportunidade. Engraçado - e triste! - o preconceito que alguns de nós, brasileiros, temos com a própria produção nacional. Mas é isso, que bom que mudei totalmente de opinião sobre Jorge Amado! Hahaha!
E você, o que achou?
Beijos e boa leitura! ;*
adorei, tava procurando uma resenha pra me empolgar a ler esse livro
ResponderExcluir