11/05/2015

[Opinião] Sobre o PLS do Preço Fixo do Livro



Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PLS) nº. 49/2015, de autoria da Senadora Fátima Bezerra (PT/RN) que visa instituir a Política Nacional do Livro e a regulação de seus preços. Li o projeto e confesso que fiquei um pouco preocupada com o teor nos moldes em que o mesmo se encontra. 

Como todos sabem, adoro ler. Ano passado, li 52 (cinquenta e dois) livros e, neste ano, já estou na minha 26ª (vigésima sexta) leitura. No entanto, e infelizmente, sou uma exceção em nosso país. Pesquisas feitas pelo Instituto Pró - Livro apontam que, em média, o brasileiro lê cerca de quatro livros por ano, incluindo os didáticos, e que apenas 50% da nossa população lê livros. É uma média muito baixa para um país que almeja um desenvolvimento econômico e que tem como principal missão nessa atual gestão do executivo federal a educação.

Tenho me perguntado muito ultimamente o motivo do brasileiro preferir assistir televisão ou ir ao cinema ao invés de ler um livro, e creio que existam algumas razões. A principal, a meu ver, é a falta de costume. Ninguém torna-se um leitor do dia para a noite, a leitura é um hábito e, como tal, deve ser fomentada desde criança, seja pela família, seja pela escola. No meu caso, desde pequena sempre estive cercada de livros em minha casa e, na escola que estudei até o ensino fundamental - que, frise-se, era particular - tínhamos que ler por ano dois livros paradidáticos que eram trabalhados em todas as disciplinas, desde a matemática até as aulas de ciências. Ainda sim, outro ponto é relevante, no que tange à falta de hábito da leitura dos brasileiros: os preços dos livros. Aliás, por que os livros no Brasil são tão caros?

Imagino até que as intenções da Senadora ao propor o referido projeto de lei sejam boas, no sentido de propiciar ao pequeno livreiro o mesmo tratamento dado às grandes redes de livrarias, no entanto, creio que um importante agente dessa rede foi esquecido: o consumidor final, ou seja, o leitor. E é como leitora que faço alguns apontamentos sobre o PLS.

Sou da opinião que quanto mais o estado interfere na economia, mais ele prejudica a livre concorrência e mais prejudica o consumidor final, que é o hipossuficiente nessa relação. Ora, a lógica é muito simples: quanto maior for a livre concorrência, mais disputa haverá entre os agentes econômicos a fim de conquistar o consumidor final e isso resultará em preços mais baixos e maiores ofertas/descontos para o consumidor. No mercado literário isso não é diferente e as livrarias mantém uma espécie de equilíbrio entre elas, motivo pelo qual os preços são muito parecidos. Porém, quando as vendas diminuem é comum notarmos numa livraria ou noutra preços promocionais, a fim de conquistar clientes e "desencalhar" os livros das prateleiras.

No que tange aos pequenos empresários, que como sabemos, exercem um papel importante em nossa economia, a estes já é dado uma série de incentivos fiscais (Simples Nacional), a fim de que possam manter suas atividades, gerando emprego e renda, tendo assim condições de concorrerem no mercado. Porém, ao se fixar um preço fixo para os livros, além de talvez não gerar benefícios para o pequeno empresário, poderá ser prejudicial ao consumidor final.

Como disse antes, os livros no Brasil têm um preço muito alto e a diferença entre as livrarias é muito pouca, quase insignificante. E isso é fruto da lógica do mercado e da livre concorrência. No entanto, as grandes redes (cite-se: Submarino, Americanas, Saraiva, Cultura, etc), devido à grande quantidade de vendas, principalmente por meio eletrônico, conseguem ofertar livros ao consumidor com preços promocionais, o que beneficia muito este. Quero dar alguns exemplos:
a) A coleção de livros "As Brumas de Avalon", que contém quatro livros, gira em torno de R$ 173,00 (cento e setenta e três reais), no entanto, esta mesma coleção está sendo vendida no site das Lojas Americanas por R$ 49,90 (quarenta e nove reais e noventa centavos) e no site do Submarino por R$ 47,90 (quarenta e sete reais e noventa centavos); 
b) Há mais ou menos dois meses a Editora Cosac Naify estava mudando de galpão ou algo do gênero e, por isso, a Livraria Cultura, em seu site, estava vendendo os livros dessa editora com descontos, alguns até de 50%, promovendo uma verdadeira queima de estoque; naquela oportunidade comprei um livro que girava em torno de R$ 80,00 (oitenta reais) por R$ 40,00 (quarenta reais);
c) A Amazon, desde agosto de 2014 passou a vender livros físicos no Brasil e na sua estréia no mercado brasileiro ofereceu frete grátis nas compras acima de 69,00 (sessenta e nove reais) e 40% de desconto em alguns títulos; na época a CBL (Câmara Brasileira de Livros), o Snel (Sindicato Nacional dos Editores de Livros), a Libre  (Liga Brasileira dos Editores de Livros) e a ANL  (Associação Nacional de Livrarias) se reuniram a fim de apresentar uma carta aos candidatos da Presidência da República, e alguns dos pontos discutidos naquele momento foi a adoção do preço fixo do livro, apesar de só a ANL e a Libre serem a favor de tal medida; não obstante, apesar da Amazon ser mal vista pelos representantes de editoras e livrarias, ela é muito bem-quista pelos consumidores que têm a oportunidade de comprar mais livros por menos; claro, assim como todas as outras, a Amazon deve respeitar o mercado nacional, porém, essa concorrência é altamente benéfica ao consumidor final.

Sei que o tema é extremamente delicado, principalmente no atual momento econômico que vive o país. No entanto, a provocação é válida, uma vez que o PLS visa a proteção do mercado editorial e dos pequenos livreiros, mas não se preocupa em momento algum com o incentivo à leitura. Livro em nosso país é um item caro e não é visto no mercado como algo que venha a desenvolver a educação, mas tão somente como uma mercadoria que gera lucro. E o que é pior: os livros já saem da editora com um preço elevado e quando chegam nas livrarias, sejam grandes ou pequenas, o preço duplica. Felizmente, hoje tenho certa condição de financiar o meu hábito de leitura, porém, mesmo assim, já tenho recorrido à troca, venda e compra de livros em sebos. Ou então, aproveito os preços promocionais das livrarias e editoras. E o PLS do preço fixo do livro é falho nesse sentido, porque não permite que eu adquira livros em vendas promocionais.

Outro ponto falho: muitas editoras já vendem seus livros diretamente ao leitor, seja através de livrarias físicas (exemplo: editora UNESP) ou através de seu sítio eletrônico. Se o projeto for aprovado nos moldes em que se encontra, será muito mais benéfico para mim, leitora, comprar um livro diretamente da editora, uma vez que ele estará mais barato que na livraria  (art 6, do PL 49/2015. O preço da capa de livro ao consumidor final será estabelecida pela editora ou importadora com majoração entre 90% a 100% do preço da efetiva aquisição pela livraria). Ou seja, tal proposta poderá diminuir em muito a venda das livrarias e aumentar a venda direta das editoras.

O preço fixo do livro é uma medida que tem dado muito certo em países europeus, como a França*, e até mesmo na Argentina. No entanto, temos que tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais. Na Europa, o hábito de leitura é muito superior ao nosso: só na França, a média de leitura é de 12 livros por ano. Até mesmo nossa vizinha Argentina, tem uma média superior à nossa: 06 livros por ano. Ou seja, são países cuja população leitora é percentualmente superior à nossa.

Na minha opinião, para além de tomarmos medidas que instituam o preço fixo do livro, existem outras bem mais interessantes e importantes que poderiam ser tomadas a fim de aumentar o hábito de leitura e melhorar a educação no Brasil:
a) Fomentar o aumento de bibliotecas públicas nas escolas e nos Municípios, com acervos conservados e atualizados. Existem algumas iniciativas privadas de bibliotecas ambulantes que têm dado certo, demonstrando que o que falta não é vontade das pessoas, principalmente de baixa renda, para ler, mas apenas falta de oportunidade;
b) Sabemos que a Constituição Federal conferiu imunidade tributária aos livros e aos produtos nele utilizados em sua fabricação, mas que tal pensarmos na isenção dos impostos federais para às livrarias e editoras ou ao menos àquelas que adotam o Simples Nacional? Tramitava na Câmara dos Deputados um projeto de lei complementar nº. 251/2007, que autoria do então Deputado Federal Antonio Palocci (PT/SP), que dispensa pequenas e micro livrarias e editoras optantes do Supersimples do recolhimento do PIS/Pasep e da Confins, no entanto, não tive mais notícias se o mesmo chegou a ser aprovado.
c) Por fim, creio que vale à pena o mandato da Senadora Fátima Bezerra retomar a discussão sobre a extensão da imunidade tributária aos e-books e e-readers. A venda de e-books cresceu muito no Brasil, no entanto a diferença de preços é muito pequena, se comparada aos livros físicos, devido à grande carga de impostos que recaem sobre aquele. No mercado brasileiro existem três empresas que comercializam e-readers: Kindle  (Amazon), Kobo (Livraria Cultura) e Leve (Saraiva). Com a imunidade sendo estendida aos e-books e seus instrumentos de leitura, além dos preços diminuírem consideravelmente, mais empresas teriam espaço para comercializarem seus e-readers, tornando os preços bem mais baratos.

Enfim, creio que o projeto de lei e a própria implementação do preço fixo de livros é falho nos moldes em que se encontra. No nosso país, não há falta de vontade das pessoas, mas falta de oportunidade. Muitos até querem ler e aprender, porém, muitas pessoas não têm condições financeiras de comprar um livro ou sequer têm acesso a uma biblioteca. Caso haja mesmo interesse em investir em educação, ampliando o nosso hábito de leitura, é preciso focar no preço dos livros e propor medidas que diminuam o seu valor. Ainda sim, sugiro que nas audiências públicas que vão ocorrer sobre o tema os leitores tenham espaço para manifestar sua opinião.

* Além da França, os outros países que adoram o preço fixo são: Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, Grécia, Holanda, Inglaterra, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal, Suécia e Suíça.

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