Tramita no Congresso Nacional o
Projeto de Lei (PLS) nº. 49/2015, de autoria da Senadora Fátima Bezerra (PT/RN) que visa instituir a Política Nacional do Livro e a regulação de seus preços. Li o projeto e confesso que fiquei um pouco preocupada com o teor nos moldes em que o mesmo se encontra.
Como todos sabem, adoro ler. Ano passado, li 52 (cinquenta e dois) livros e, neste ano, já estou na minha 26ª (vigésima sexta) leitura. No entanto, e infelizmente, sou uma exceção em nosso país. Pesquisas feitas pelo Instituto Pró - Livro apontam que,
em média, o brasileiro lê cerca de quatro livros por ano, incluindo os
didáticos, e que apenas 50% da nossa população lê livros. É uma média muito
baixa para um país que almeja um desenvolvimento econômico e que tem como
principal missão nessa atual gestão do executivo federal a educação.
Tenho me perguntado muito ultimamente o motivo do
brasileiro preferir assistir televisão ou ir ao cinema ao invés de ler um livro, e creio
que existam algumas razões. A principal, a meu ver, é a falta de costume.
Ninguém torna-se um leitor do dia para a noite, a leitura é um hábito e, como
tal, deve ser fomentada desde criança, seja pela família, seja pela escola. No
meu caso, desde pequena sempre estive cercada de livros em minha casa e, na
escola que estudei até o ensino fundamental - que, frise-se, era particular -
tínhamos que ler por ano dois livros paradidáticos que eram trabalhados em
todas as disciplinas, desde a matemática até as aulas de ciências. Ainda sim, outro ponto é relevante, no que tange à falta de hábito da leitura dos
brasileiros: os preços dos livros. Aliás, por que os livros no Brasil são tão
caros?
Imagino até que as intenções da Senadora ao propor o referido projeto de lei sejam boas, no sentido de propiciar ao pequeno
livreiro o mesmo tratamento dado às grandes redes de livrarias, no entanto,
creio que um importante agente dessa rede foi esquecido: o consumidor final, ou
seja, o leitor. E é como leitora que faço alguns apontamentos sobre o PLS.
Sou da opinião que quanto mais o estado interfere na
economia, mais ele prejudica a livre concorrência e mais prejudica o consumidor
final, que é o hipossuficiente nessa relação. Ora, a lógica é muito simples:
quanto maior for a livre concorrência, mais disputa haverá entre os agentes
econômicos a fim de conquistar o consumidor final e isso resultará em preços
mais baixos e maiores ofertas/descontos para o consumidor. No mercado literário
isso não é diferente e as livrarias mantém uma espécie de equilíbrio entre
elas, motivo pelo qual os preços são muito parecidos. Porém, quando as vendas
diminuem é comum notarmos numa livraria ou noutra preços promocionais, a fim de
conquistar clientes e "desencalhar" os livros das prateleiras.
No que tange aos pequenos empresários, que como sabemos,
exercem um papel importante em nossa economia, a estes já é dado uma série de
incentivos fiscais (Simples Nacional), a fim de que possam manter suas
atividades, gerando emprego e renda, tendo assim condições de concorrerem no
mercado. Porém, ao se fixar um preço fixo para os livros, além
de talvez não gerar benefícios para o pequeno empresário, poderá ser prejudicial ao
consumidor final.
Como disse antes, os livros no Brasil têm um preço muito
alto e a diferença entre as livrarias é muito pouca, quase insignificante. E
isso é fruto da lógica do mercado e da livre concorrência. No entanto, as
grandes redes (cite-se: Submarino, Americanas, Saraiva, Cultura, etc), devido à
grande quantidade de vendas, principalmente por meio eletrônico, conseguem
ofertar livros ao consumidor com preços promocionais, o que beneficia muito
este. Quero dar alguns exemplos:
a) A coleção de livros "As Brumas de Avalon", que contém quatro
livros, gira em torno de R$ 173,00 (cento e setenta e três reais), no entanto,
esta mesma coleção está sendo vendida no site das Lojas Americanas por R$ 49,90
(quarenta e nove reais e noventa centavos) e no site do Submarino por R$ 47,90
(quarenta e sete reais e noventa centavos);
b) Há mais ou menos dois meses a Editora Cosac Naify estava mudando de galpão
ou algo do gênero e, por isso, a Livraria Cultura, em seu site, estava vendendo
os livros dessa editora com descontos, alguns até de 50%, promovendo uma
verdadeira queima de estoque; naquela oportunidade comprei um livro que girava
em torno de R$ 80,00 (oitenta reais) por R$ 40,00 (quarenta reais);
c) A Amazon, desde agosto de 2014 passou a vender livros físicos no Brasil e na
sua estréia no mercado brasileiro ofereceu frete grátis nas compras acima de
69,00 (sessenta e nove reais) e 40% de desconto em alguns títulos; na época a
CBL (Câmara Brasileira de Livros), o Snel (Sindicato Nacional dos Editores de
Livros), a Libre (Liga Brasileira dos Editores de Livros) e a ANL
(Associação Nacional de Livrarias) se reuniram a fim de apresentar uma carta
aos candidatos da Presidência da República, e alguns dos pontos discutidos
naquele momento foi a adoção do preço fixo do livro, apesar de só a ANL e a
Libre serem a favor de tal medida; não obstante, apesar da Amazon ser mal vista pelos
representantes de editoras e livrarias, ela é muito bem-quista pelos
consumidores que têm a oportunidade de comprar mais livros por menos; claro,
assim como todas as outras, a Amazon deve respeitar o mercado nacional, porém,
essa concorrência é altamente benéfica ao consumidor final.
Sei que o tema é extremamente delicado, principalmente no
atual momento econômico que vive o país. No entanto, a provocação é válida, uma
vez que o PLS visa a proteção do mercado editorial e dos pequenos livreiros, mas
não se preocupa em momento algum com o incentivo à leitura. Livro em nosso
país é um item caro e não é visto no mercado como algo que venha a desenvolver
a educação, mas tão somente como uma mercadoria que gera lucro. E o que é pior:
os livros já saem da editora com um preço elevado e quando chegam nas
livrarias, sejam grandes ou pequenas, o preço duplica. Felizmente, hoje tenho certa
condição de financiar o meu hábito de leitura, porém, mesmo assim, já tenho
recorrido à troca, venda e compra de livros em sebos. Ou então, aproveito os
preços promocionais das livrarias e editoras. E o PLS do preço fixo do livro é
falho nesse sentido, porque não permite que eu adquira livros em vendas
promocionais.
Outro ponto falho: muitas editoras já vendem seus livros
diretamente ao leitor, seja através de livrarias físicas (exemplo: editora
UNESP) ou através de seu sítio eletrônico. Se o projeto for aprovado nos moldes
em que se encontra, será muito mais benéfico para mim, leitora, comprar um
livro diretamente da editora, uma vez que ele estará mais barato que na
livraria (art 6, do PL 49/2015. O preço da capa de livro ao consumidor final será
estabelecida pela editora ou importadora com majoração entre 90% a 100% do
preço da efetiva aquisição pela livraria). Ou seja, tal proposta poderá
diminuir em muito a venda das livrarias e aumentar a venda direta das editoras.
O preço fixo do livro é uma medida que tem dado muito
certo em países europeus, como a França*, e até mesmo na Argentina. No entanto,
temos que tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais. Na
Europa, o hábito de leitura é muito superior ao nosso: só na França, a média de
leitura é de 12 livros por ano. Até mesmo nossa vizinha Argentina, tem uma
média superior à nossa: 06 livros por ano. Ou seja, são países cuja população
leitora é percentualmente superior à nossa.
Na minha opinião, para além de tomarmos medidas que instituam o preço fixo
do livro, existem outras bem mais interessantes e importantes que poderiam ser
tomadas a fim de aumentar o hábito de leitura e melhorar a educação no Brasil:
a) Fomentar o aumento de bibliotecas públicas nas escolas e nos Municípios, com
acervos conservados e atualizados. Existem algumas iniciativas privadas de
bibliotecas ambulantes que têm dado certo, demonstrando que o que falta não é
vontade das pessoas, principalmente de baixa renda, para ler, mas apenas falta
de oportunidade;
b) Sabemos que a Constituição Federal conferiu imunidade tributária aos livros
e aos produtos nele utilizados em sua fabricação, mas que tal pensarmos na
isenção dos impostos federais para às livrarias e editoras ou ao menos àquelas
que adotam o Simples Nacional? Tramitava na Câmara dos Deputados um projeto de lei complementar nº. 251/2007, que autoria do então Deputado Federal Antonio Palocci (PT/SP), que dispensa pequenas e micro livrarias e editoras optantes do Supersimples do recolhimento do PIS/Pasep e da Confins, no entanto, não tive mais
notícias se o mesmo chegou a ser aprovado.
c) Por fim, creio que vale à pena o mandato da Senadora Fátima Bezerra retomar a discussão sobre a
extensão da imunidade tributária aos e-books e e-readers. A venda de e-books
cresceu muito no Brasil, no entanto a diferença de preços é muito pequena, se
comparada aos livros físicos, devido à grande carga de impostos que recaem
sobre aquele. No mercado brasileiro existem três empresas que comercializam
e-readers: Kindle (Amazon), Kobo (Livraria Cultura) e Leve (Saraiva). Com
a imunidade sendo estendida aos e-books e seus instrumentos de leitura, além dos
preços diminuírem consideravelmente, mais empresas teriam espaço para
comercializarem seus e-readers, tornando os preços bem mais baratos.
Enfim, creio que o projeto de lei e a própria
implementação do preço fixo de livros é falho nos moldes em que se encontra. No nosso país, não há falta
de vontade das pessoas, mas falta de oportunidade. Muitos até querem ler e
aprender, porém, muitas pessoas não têm condições financeiras de comprar um
livro ou sequer têm acesso a uma biblioteca. Caso haja mesmo interesse em investir em educação, ampliando o nosso hábito de leitura, é preciso focar no preço dos livros e propor medidas que diminuam o seu valor. Ainda sim, sugiro que nas
audiências públicas que vão ocorrer sobre o tema os leitores tenham espaço para
manifestar sua opinião.
* Além da França, os outros países que adoram o preço fixo são: Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, Grécia, Holanda, Inglaterra, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal, Suécia e Suíça.