Sinopse: O livro representa o confronto entre indivíduo e sociedade,
através da epopéia da família Joad, expulsa pela seca dos campos de algodão de
Oklahoma, para tentar a sobrevivência como bóias-frias nas plantações de frutas
do Vale de Salinas, na Califórnia. Steinbeck retratou a situação do homem
moderno diante das dificuldades, a pobreza e a privação em um universo feroz,
protagonizado por vítimas da competição e párias sociais. O autor exibe na vida
e na arte paradoxos, provocados pela tensão entre instinto e mente, natureza e
história, a civilização e seus descontentes. 'As vinhas da ira' é a prova de
que homens em lugares e situações comuns podem ser tocados pela intenção épica
e conduzidos à imortalidade.
Avaliação: 5/5
"As Vinhas da Ira" é um livro grandioso. Não só por ter se tornado um clássico da literatura mundial, mas, sim, e principalmente, porque ele mexe com nossa alma.
John Steinbeck (1902-1968) - assim como Victor Hugo, em seu livro "Os Miseráveis" - voltou seu olhar na década de 30 àquelas famílias que estavam marginalizadas pela sociedade, como consequência de uma grande crise econômica - que também tornou-se social - que assolou os Estados Unidos da América, no final da década de 20 e toda a década de 30.
Como todos(as) nós estudamos nas aulas de história, a Década de 20 nos Estados Unidos foi considerada a época de um grande crescimento econômico nos país. Após a Primeira Guerra Mundial, o país era a maior potência econômica do mundo, o consumo aumentou absurdamente e os empresários do setor de produção industrial e os fazendeiros investiram muito em seus negócios a fim de acompanhar o ritmo de consumo no país e no mundo. Aqui vamos nos deter principalmente ao setor agropecuário, visto ser o pano de fundo e início de toda saga contida no livro "As Vinhas da Ira".
Pois bem, com o aumento do consumo, os fazendeiros procuraram os bancos para investir alto nas máquinas de produção e acabaram tornando-se arrendatários das terras. Com a Grande Depressão de 1929 e a Europa se recuperando da Primeira Guerra Mundial, o preço dos insumos colhidos no campo despencaram, uma vez que a demanda se tornou muito menor que a oferta. Os fazendeiros, no início da década de 30, tentam se recuperar dessa crise e pagar aos bancos as suas terras e as suas dívidas. Para isso, os agricultores, com o intuito de aumentar mais sua produção, passaram a plantar antes que o solo fosse tratado adequadamente, provocando, então, o ressecamento da terra.
Tempestade de areia no Texas |
As tempestades de poeira, conhecida nos EUA como Dust Bowl (tradução literal: Taça de Pó) foram uma consequência direta dessa produção irregular de insumos no campo, que deixou o solo despojado de umidade, sendo facilmente levantado pelo vento em grandes nuvens de pó e areia que, de tão espessas, impediam até a penetração dos raios de sol. Aconteceu no país nos anos 1934, 1936 e 1939 e desabrigaram muitas famílias de suas terras.
Na época, como as plantações foram arrasadas, os bancos (os "donos das terras") expulsaram os arrendatários e colocavam um só homem com um só trator para cuidar de várias fazendas. No fundo, como os bancos também passavam por uma grande crise devido à Grande Depressão, tal negócio foi extremamente lucrativo para eles. Porém, provocou um desastre social, com a migração de cerca de 300 mil pessoas para o oeste.
Esse foi o pano de fundo e inspiração para que John Steinbeck escrevesse "As Vinhas da Ira". O livro foca especialmente na situação dos trabalhadores do campo que vinham sofrendo desde a Grande Depressão de 1929. Despojados de suas terras, milhares de famílias viajam rumo ao oeste do país, principalmente para a Califórnia, iludidas pela promessa de conseguirem emprego, com boas condições de trabalho e bons salários, e finalmente, reconstruírem um lar em que possam morar.
"Em 1936, Steinbeck lançou Batalha Incerta, livro sobre uma guerra provocada pelo Partido Comunista. Durante a pesquisa, ele entrevistou comunistas, trabalhadores e fazendeiros. Depois da publicação, o jornal San Francisco News procurou Steinbeck para fazer sete reportagens sobre os trabalhadores que migravam para a Califórnia. E ali surgiu a inspiração para Vinhas." (Herb Behrens, arquivista do National Steinbeck Center)
Lançado em março de 1939, "As Vinhas da Ira" foi um sucesso de venda na época, mas também um sucesso de críticas negativas, que despertou uma reação raivosa de setores conservadores da sociedade americana. Steinbeck foi considerado o comunista mais perigoso da costa oeste do país e chegou até a ser investigado pelo FBI. O livro também chegou a ser banido de várias bibliotecas americanas e até hoje continua na lista dos mais proibidos em algumas bibliotecas. Por outro lado, o livro rendeu ao escritor o Prêmio Pulitzer (1940) e uma fama que o fez ganhar o Nobel de Literatura em 1962. Ainda sim, ganhou uma versão para o cinema dirigida por John Ford e que faturou dois Oscar.
Família Joad |
O livro foca na família Joad, de Sallisaw, Oklahoma, mas poderia ser qualquer outra família. Despojados de sua terra, a família Joad parte para a Califórnia, atraída por vários folhetos que prometiam trabalho na colheita de frutas no Estado. Ao falar desse livro, eu gosto de dividi-lo em duas partes: 1ª) a travessia da família Joad (e de inúmeras outras famílias) de leste a oeste pela Estrada 66, em um carro pequeno e caindo aos pedaços que acomodava toda a família; 2ª) a chegada na Califórnia e todos os desafios que tiveram que enfrentar.
Na Estrada 66, já observamos que existe uma migração em massa para a Califórnia, uma espécie de fuga desesperada para o Oeste. As famílias viajam em precárias condições, com pouco dinheiro e em carros que vivem dando problemas. No entanto, apesar das poucas condições, vemos também a solidariedade entre pessoas que passam pela mesma situação, como se todos os migrantes se tornassem uma só família.
Estrada 66 |
Na Califórnia, a Família Joad começa a perceber que a realidade não é como imaginaram. Percebem que foram enganados com falsas promessas, assim como outras milhares de famílias. E, então, começa uma luta por sobrevivência e por trabalho intensa. Nessa parte, começamos a ter a dimensão do tamanho do problema social com a migração em massa para o Oeste e a discriminação e repressão sofrida por esses trabalhadores. É revoltante vermos a situação precária dos acampamentos (Hooverville), o preço das horas de trabalho (e aqui vale a premissa: quanto maior a procura, menores os preços), a repressão da polícia, a "disputa" entre os trabalhadores, as frutas apodrecendo enquanto milhares passam fome, a tecnologia no campo, cavalos sendo tratados de uma forma melhor que as pessoas e a chegada das chuvas intensas. No entanto, mesmo nessa situação, observamos também a solidariedade entre as pessoas, as festas como um meio da busca pelo prazer há tanto tempo perdido e a organização do acampamento do Governo.
Outra observação interessante é a seguinte: aqui temos mais uma confirmação de que, quando o povo é organizado, ele consegue amedrontar as autoridades. A repressão contra os trabalhadores era muito grande, mas ela tinha como motivo principal evitar a mudança do "eu" para o "nós", ou seja, a organização dos trabalhadores. E Steinbeck foi muito feliz ao mostrar a organização como alternativa à exploração.
Outro fato curioso que chamou muito a minha atenção do livro: a narrativa sobre o surgimento da Califórnia, de como esse pedaço de terra passou dos mexicanos para os americanos e como as propriedade tornaram-se grandes e a quantidade de fazendeiros diminuiu.
O final desse livro é um dos mais lindos que já vi, dentre tantos livros que já li na vida. Mostra a que ponto somos capazes de ajudar o próximo. Como se já não bastasse toda a saga da família, suas perdas e conquistas, só pelo final já vale a pena ler sobre tanto sofrimento. Sofrimento esse que tratava a realidade e, por isso, incomodou tantas pessoas na época de seu lançamento.
Steinbeck é fiel à linguagem do homem do campo, à sua simplicidade que encanta e é também muito engraçada (a cena da descoberta do vaso sanitário me fez rir muito!) e ao seu modo de viver, de ver as pessoas e o seu olhar sobre a vida. Em sua narrativa, o escritor intercala um capítulo sobre a vida dos Joad e outro com uma narrativa sobre a situação geral, de todos os migrantes, demonstrando, assim, que o que ocorreu não foi um fato isolado, mas sim uma epopeia dos trabalhadores do campo na época.
O final desse livro é um dos mais lindos que já vi, dentre tantos livros que já li na vida. Mostra a que ponto somos capazes de ajudar o próximo. Como se já não bastasse toda a saga da família, suas perdas e conquistas, só pelo final já vale a pena ler sobre tanto sofrimento. Sofrimento esse que tratava a realidade e, por isso, incomodou tantas pessoas na época de seu lançamento.
Steinbeck é fiel à linguagem do homem do campo, à sua simplicidade que encanta e é também muito engraçada (a cena da descoberta do vaso sanitário me fez rir muito!) e ao seu modo de viver, de ver as pessoas e o seu olhar sobre a vida. Em sua narrativa, o escritor intercala um capítulo sobre a vida dos Joad e outro com uma narrativa sobre a situação geral, de todos os migrantes, demonstrando, assim, que o que ocorreu não foi um fato isolado, mas sim uma epopeia dos trabalhadores do campo na época.
Nossa, ainda falaria aqui sobre tantas outras coisas que esse livro me encantou, mas quero terminar com uma metáfora que o autor faz no começo do livro sobre a tartaruga. Aqui ele faz uma apologia à luta diária dos trabalhadores e é sublime!
Enfim, indico muito a leitura desse livro! Depois de lê-lo passei a entender do porquê ele ser um clássico da literatura mundial.
Boa leitura! :*
Observação 01: Uma curiosidade. Quem deu o título ao livro "The Grapes of Wrath" (As Vinhas da Ira) foi a primeira mulher de John Steinbeck, Carol, e esse título é parte do hino abolicionista da Guerra Civil americana.
Observação 02: Quer saber mais sobre a Tempestade Negra ou Dust Bowl? Tem aqui um documentário muito interessante. Vale a pena conferir!